sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

TEXTO DE ALI KAMEL - SOMOS TODOS PARDOS


O jornalista Ali Kamel, faz nesse texto um enfoque diferente da questão racial no Brasil.

A colocação dos pardos (uma imensa parcela do país) como peso na demonstração do racismo no país e a possível exclusão deles quando se trata das políticas de cotas e ações afirmativas para raças que estão sendo empregadas pelo Brasil a fora. É um texto interessante e que gera reflexão tanto de quem concorda com ele (como eu) como de quem discorda. Apesar do texto não ser tão atual o tema é atualíssimo e recorrente. Vale a pena ler e se informar.

Rafa Rangel
(leiam e comentem no meu blog!)

Somos todos pardos
ALI KAMEL

O leitor interessado no tema certamente já ouviu ou leu esta frase: a pobreza no Brasil tem cor e ela é negra. É uma frase sempre presente nos trabalhos de pesquisadores que defendem a política de cotas raciais, seja nas universidades, seja no serviço público. Os números que eles divulgam são de fato eloqüentes. Eles sempre dizem que os brancos no Brasil são 54% da população e os negros, 45%. E se perguntam: "Será que a pobreza acompanha esses mesmos critérios demográficos?" E respondem que não: segundo um estudo com dados de 1999, dos 53 milhões de brasileiros pobres, os brancos são apenas 36% e os negros representam 64% do total. E concluem: os negros são pobres porque no Brasil há racismo.

Os números são eloqüentes, mas inexatos. Segundo o mesmo estudo, os negros são 5% e não 45%. Os brancos são, de fato, 54% da população. A grande omissão diz respeito aos pardos: eles são 40% dos brasileiros (as alterações no Censo de 2000 foram mínimas). Entre os 53 milhões de pobres, os negros são 7%, e não 64%.

Os brancos, 36% e os pardos, 57%. Portanto, se a pobreza tem uma cor no Brasil, essa cor é parda. O que os defensores de cotas fazem é juntar o número de pardos ao número de negros, para que a realidade lhes seja mais favorável: é apenas somando-se negros e pardos que o número de pobres chega a 64%. Os artigos desses pesquisadores primeiro estratificam a população entre brancos, pretos, pardos, amarelos e indígenas para, logo depois, agrupar pretos e pardos e chamá-los a todos de negros (desse ponto em diante, em todas as estatísticas, há apenas menção a negros, mas, na verdade, os números se referem sempre à soma de pardos e negros). Geralmente os pesquisadores fazem a seguinte observação: "A população negra ou afro-descendente corresponde ao conjunto das pessoas que se declaram pretas ou pardas nas pesquisas do IBGE".

O problema é definir o que é pardo. Para mim, é constrangedor ter de discutir nesses termos, eu que não tenho a cor de ninguém como critério de nada. Mas, infelizmente, é a lógica que reina no debate e eu tenho de me curvar a ela. A funcionária do IBGE que me ajuda com os números se disse parda ao censo, "parda como a Glória Pires". Mas, para muitos, a Glória Pires é branca. Digo isso com real preocupação: quem é pardo? O pardo é um branco meio negro ou um negro meio branco?

Somar pardos e negros seria apenas um erro metodológico se não estivesse prestes a provocar uma injustiça sem tamanho. Porque todas as políticas de cotas e ações afirmativas se baseiam na certeza estatística de que os negros são 64% dos pobres, quando, na verdade, eles são apenas 7%. Na hora de entrar na universidade ou no serviço público, os negros terão vantagens. Os pardos, não. Do ponto de vista republicano, isso é grave. Na hora de justificar as cotas, os pardos são usados para engrossar (e como!) os números. Na hora de participar do benefício, serão barrados. Literalmente. Este ano, a Universidade Estadual de Matogrosso do Sul instituiu cotas para negros em seu vestibular: 20% das vagas, 328 lugares. 530 estudantes se disseram negros e tiveram de apresentar foto colorida de tamanho cinco por sete. Uma comissão de cinco pessoas foi constituída para analisar as fotos segundo alguns critérios. Só passariam os candidatos com o seguinte fenótipo: "Lábios grossos, nariz chato e cabelos pixaim", na definição dos avaliadores. 76 foram rejeitados por não terem tais características. Provavelmente, eram pardos.

Que o Brasil é injusto, não há dúvida, mas querer criar mais uma injustiça é algo que não se entende. Por que os pardos, usados para justificar as cotas, terão de ficar fora delas, mesmo sendo tão pobres quanto os negros? Porque alguns têm nariz afilado ou cabelos ondulados? E por que os brancos, mesmo pobres, serão condenados a ficar fora da universidade? Os defensores de cotas raciais dizem que os brancos são "apenas" 36% dos pobres. Apenas? 36% significam 19 milhões de brasileiros, um enorme contingente que será abandonado à própria sorte (grifo nosso). A simples existência de tantos brancos pobres desmentiria por si só a tese de que a pobreza discrimina entre pobres e negros: em países verdadeiramente racistas, o número de pobres brancos jamais chega próximo disso. Da mesma forma, o enorme número de brasileiros que se declaram pardos, 68 milhões numa população de 170 milhões, já mostra que somos uma nação amplamente miscigenada. Como o pardo tem de ser, necessariamente, o resultado do casamento entre brancos e negros, o número de brasileiros com algum negro na família é necessariamente alto. Isso seria a prova de que somos uma nação majoritariamente livre de ódio racial (repito que, sim, sei que o racismo existe aqui e onde mais houver seres humanos reunidos, mas, certamente, ele não é um traço marcante de nossa identidade nacional).

Todos esses números só reforçam a minha crença de que uma política de cotas raciais será extremamente prejudicial e injusta. Em todas as universidades que instituíram políticas assim há discussões antes não conhecidas entre nós: negros acusando nem tão negros assim de se beneficiaram indevidamente de cotas; pardos tentando provar que o cabelo pode não ser pixaim, mas a pele é negra; e brancos se sentindo excluídos mesmo sendo tão pobres quanto os candidatos negros beneficiados pelas cotas. Dizendo claramente: corremos o sério risco de, em breve, ver no Brasil o que nunca houve, o ódio racial. O certo é o simples: instituir cotas não raciais, mas baseadas na renda. Assim, pobres, que hoje não chegam à universidade, seriam incluídos. Sejam negros, pardos ou brancos. (grifo nosso)


ALI KAMEL é jornalista.

9 comentários:

Anônimo disse...

Estou aqui pra dar parabéns pelo Blog. È bom saber que a blogosfera agora tem mais um adepto e melhor com grande personalidade. Abração e depois comento estes textos aí..to na correria total......abraço e passa lá nos meu blogs..estão meio desatualizados mas vale a pena....

everton
www.naluta.blogspot.com
www.juventudesocialistapdtrj.blogspot.com

jus_teodoro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Essa conversinha de que as cotas criarão o ódio racial no Brasil é pura balela. As cotas não criarão ódio racial e nem o racismo porque já existe aqui um racismo bem mais eficiente do que em outros países, porque é oculto e ganha força na ignorância daqueles que pensam que não existe racismo no Brasil.

O Brasil é um país miscigenado mas mesmo assim pode-se distinguir facilmente brancos e negros. A propósito, pardo não é e nunca foi etnia, e ao contrário do que muitos pensam, não existe uma etnia brasileira pra ficarem dizendo que somos todos pardos. Segundo o IBGE, a população de etnia negra é a soma dos auto-declarados pretos e pardos, sendo que os termos 'preto' e 'pardo' estão relacionados apenas ao fenótipo (aparência) dos afrodescendentes. Assim sendo, temos os pretos (negros com fenótipo africano típico, sendo miscigenados ou não) e pardos (negros cujo fenótipo africano é menos marcante, sendo miscigenados ou não).

No Brasil o negro (preto ou pardo) é facilmente identificado quando é pra discriminar, porém, quando é pra proporcionar reparação por injustiças sociais, suas características de afrodescendente desaparecem como mágica, e todos apelam para a “pureza racial” na tentativa de negar ao negro o acesso a uma política pública de afirmação de direitos.

É isso mesmo! Direitos! Porque as cotas “raciais” estão atuando na defesa de direitos sociais que estão sendo violados, e atendendo reivindicações justas de segmentos que se encontram em situação de vulnerabilidade social. Do mesmo modo, outros segmentos sociais são atendidos pelo Estado, como mulheres, crianças, idosos, deficientes, etc.

Sou a favor de cota social para brancos pobres, e de cota “racial” para negros pobres porque o Brasil é um país racista, e as cotas não poderão instituir o racismo que já existe aqui. Simples assim!

Conheçam melhor a historia de nosso país, e leiam exemplos de cotas que deram certo em outros países ao invés de ficar fazendo críticas sem fundamento.

Rafa Rangel disse...

Engraçado como há uma cultura imbecil de que se vc não concorda com o argumento de um terceiro a pessoa tenta desqualificar o argumento contrário com comentários infelizes como: fazer críticas sem fundamento.

O comentário é feito com base no que eu acho correto após ler livros sobre o tema, a Constituição Federal e conhecer dia-a-dia do meu pais como cidadão consciente e praticante de cidadania.

Reforço aqui o meu argumento que a COTA RACIAL é política Racista e que só tem força por que a democracia (Graças a Deus) é o governo das minorias organizadas que impõem suas vontades a uma maioria acéfila. Os dados manipulados mostram que os Pardos são usados ao seu belprazer pelos partidários do movimento social para validar as políticas racistas e SÃO EXCLUÍDOS das benesses das cotas por NÃO SEREM PRETOS DEMAIS.

Hipócrita é o argumento que defende as cotas e não quem manifesta ele, pois o senso comum as vezes apesar de ser errado, se torna certo após tantas vezes serem repetidos com ênfase e dados manipulados.

PS: Por que o pardo é Branco quando está na faculdade e negro quando está no presídio?? Reflita.

Anônimo disse...

Algumas pessoas “pensam” que, para validação das cotas, houve alguma manipulação dos dados referentes aos brasileiros que se declaram pardos, mas a verdade é que o termo ‘pardo’ sempre esteve relacionado aos afrodescendentes. Este termo foi usado pela primeira vez no Censo do ano de 1872 para contabilizar de forma separada os negros ainda cativos (que eram classificados como pretos, sendo miscigenados ou não) e os negros nascidos livres ou forros (que eram classificados como pardos, sendo miscigenados ou não). Somente no ano de 1950 (quando teve início a auto-declaração) o termo ‘pardo’ passou a constar definitivamente das opções censitárias; mas sempre com o vínculo de origem africana que o IBGE acertadamente mantém até hoje. Assim sendo, temos os pretos (negros com fenótipo africano típico, sendo miscigenados ou não) e pardos (negros cujo fenótipo africano é menos marcante, sendo miscigenados ou não). Portanto, pardos sempre fizeram parte da população negra do Brasil.

Pardos não deixam de ser negros quando estão na faculdade. Eles continuam sendo negros independente de seu nível de escolaridade, e se alguém deixa de considerar um pardo como negro é por puro cinismo. O problema, portanto, não está no sistema de cotas “raciais”, está na hipocrisia da sociedade brasileira ao FINGIR que não reconhece um negro de fenótipo pardo na hora de conceder-lhe o acesso a um sistema de resgate social pela discriminação sofrida ao longo da história; porque quando é pra discriminar, o negro (preto ou pardo) é facilmente reconhecido.

E ao contrário do que muitos pensam, as cotas não ferem o princípio da igualdade, tal como determina o art. 5º da Constituição Federal, pelo qual “todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza”. A igualdade é tão-somente um alvo a ser atingido, DEVENDO SER PROMOVIDA, para que seja garantida a igualdade de oportunidades como determina o art. 3º da mesma Constituição. Portanto, as cotas “raciais” são perfeitamente constitucionais. A propósito, se não houvesse constitucionalidade, a Lei 180/08 não teria sido aprovada.

Rafa Rangel disse...

Caro anônimo, ótimo post esse o seu, cria um debate com qualidade mesmo que as visões sejam opostas.
Igualdade é tratar todos iguais de forma igual. Na minha visão: negro, pardo, branco, oriental são todos iguais, e como iguais devem ser tratados perante a lei.
O Pardo fica fora das cotas porque a política racista de implementação das cotas é promovida com lobby do movimento negro, que não considera pardo como negro, e apenas o utiliza como um coringa para manipular as estatísticas.
Diferentes são os pobres, que independente de sua cor é humilhado pelos ricos: brancos, negros e verdes se houvesse essa etnia. No RJ, certo seria, segundo o critério da IGUALDADE que você trata, dar cotas aos nordestinos que demasiadamente marginalizados e depreciados com a alcunha de PARAÍBA, e se prestam a serviços subalternos sem possibilidade de crescimento.
Segundo a Constitucionalidade, se fosse uma verdade absoluta não haveria tantas ADIs, ADPFs que estirpam do mundo jurídico leis que se travestem de constitucionais e após reclamação, sofrem julgamento do STF e são retirados do ordenamento.

Anônimo disse...

Que eu saiba, os Movimentos negros consideram e sempre consideraram os negros de fenótipo pardo como parte da população negra. E nem poderia ser diferente porque pardos são, de fato, NEGROS... Não sei qual dos Movimentos Negros passou a você a idéia ou a informação incorreta de que os pardos não são considerados como negros por eles, mas asseguro que essa informação não procede.

Meu primo, por exemplo, é um negro de fenótipo africano típico: pele escura, cabelo crespo e traços característicos; mas sua irmã (que é filha do mesmo pai e da mesma mãe) tem pele CONSIDERAVELMENTE mais clara do que a dele, cabelos que não são tão crespos, e traços caucasianos... E seus pais são ambos negros, não só na cor, mas em todas as características... Então, se os Movimentos Negros deixassem de considerar pardos como negros seria uma grande ignorância, visto que pardos são filhos de pessoas negras.

Reconheço que não são somente os negros que são discriminados, haja visto que cotidianamente as pessoas são discriminadas também por seu gênero, orientação sexual ou até pelo sotaque. Mas as cotas “raciais” foram implantadas como um sistema de resgate social pela discriminação sofrida ao longo da história.

Quem foi escravizado (inicialmente pelos europeus e posteriormente pelos seus descendentes que aqui estão até hoje) foram os negros! Quem foi “largado a Deus dará” após a abolição (sendo relegado a uma situação de miséria absoluta e exposto a todo tipo de injustiças sociais) também foram os negros! E todo este processo injusto tem refletido até os dias de hoje... Por outro lado, os europeus que vieram para o Brasil como imigrantes após a abolição, RECEBIAM UM SALÁRIO para exercer as funções que antes eram dos negros escravizados. Eles não vieram contra sua vontade e nem pra trabalhar de graça... Ao imigrante europeu: terras e apoio para produzir. Aos negros: exclusão e favela!

As cotas “raciais” são, portanto, um sistema de reparação pelo processo histórico e CONTÍNUO de exploração e exclusão ao qual a população negra foi e tem sido exposta... Os alemães, se muito não me engano, pagam aos judeus pelas atrocidades do Nazismo. Os negros americanos também foram e são reparados pelas cotas implantadas na década de 1960, com a Lei dos Direitos Civis. Então, eu penso que os negros brasileiros também podem ser reparados por um sistema que busca apenas criar incentivos e oportunidades... É justo, considerando a enorme dívida que o Brasil tem com a população negra!

Patrícia Galdino disse...

Vc escreveu que a sua prima tem caracteristicas menos africanas que o irmão dela. Acho até normal que emuma família de negros brasilieros nasçam pessoas mais claras e com fenotipo diferenciado do resto da família, porque o Brasil é muito miscigenado. Me lembrei da Camila Pitanga ,que é bem mais clara que o irmão apesar de ser filha do mesmo pai e da mesma mãe, que sao ambos negros. Mas o que dizer ds filhos de pessoas brancas e negras. Eles também são pardos?

Anônimo disse...

Eles são negros de fenótipo pardo sim, porque o critério não é a miscigenação, é a ancestralidade africana ligada ao fenótipo. Miscigenado o Brasil inteiro é, mas os filhos de pessoas brancas e negras têm uma ascendência africana bem próxima e marcante, que vem do pai OU da mãe.