Hoje, ao sair de casa, resolvi, como cidadão, tomar uma providência em relação a uma situação desagradável que se perdura em frente ao meu prédio. São jovens mendigos, que fizeram do cruzamento entre duas das mais importantes ruas do meu bairro o seu ponto de labor, mas o que mais me incomodou foi o fato de haver hoje um colchão de casal na calçada onde eles descansam nos intervalos do trabalho de pedir. Pronto! Fizeram moradia ali em frente, em pouco tempo erguerão um barraco na calçada e uma nova vizinhança estará instaurada.
Peguei meu telefone e liguei para o 190 para solicitar uma patrulha ao local. A atendente me disse que não se tratava de crime e quis me passar o telefone da Prefeitura. Ora!!! Mendicância e vadiagem estão dispostos na Lei de Contravenções Penais (arts. 59, 60), com pena de prisão simples de 15 dias a 3 meses; e além disso, segurança pública se pratica com prevenção e repressão, destarte, penso que a retirada e encaminhamento para o Conselho Tutelar ou Prisão é tanto cargo da PM, quanto da Guarda Municipal. Mas, diante desse imbróglio, ficam tanto o Estado, quanto o Município desviando-se das responsabilidades de que lhe são devidas.
A rigor da atividade do Estado em relação aos excluídos é um tema melindroso, onde o menor descuido pode parecer que o interlocutor deseja uma limpeza social daquilo “que não presta a sociedade”. Há até uma frase do José Rainha Jr., que no Brasil: “aos ricos o favor da lei e aos pobres o rigor da lei”; frase certa e real. Mas não é por causa disso que o tema não possa ser debatido em todas as suas vertentes.
A ausência de políticas do Estado em relação a essa parcela marginalizada da sociedade trás cada dia mais um nivelamento por baixo da qualidade de vida de todos os cidadãos; pois quem não vive na miséria, vive no medo. Exponho então, minha visão sobre o ato de mendigar e seus reflexos na vida de todos nós.
A opção pela mendicância, o que para a cabeça de muitos pode parecer absurdo (inclusive para mim), para de alguns outros é uma opção bastante considerável. Lembro-me de um episódio em que o apresentador Augusto Liberato (o GUGU) travestiu-se de mendigo e foi para as ruas mendigar (o que esse povo não faz por audiência!!!). Algumas horas depois o início da empreitada e várias negativas dos transeuntes a seus pedidos, o apresentador (sensacionalismo a parte) chorava copiosamente por ser tratado como um nada pelas pessoas do local. Essa situação indigna é de fato chocante ao orgulho e ao conceito de decência do cidadão comum, mas o fato é que, há muito, existe nas grandes cidades “uma indústria da miséria” e que está se tornando uma espécie de patrimônio reverso hereditário, isto é, as mães indigentes fazem dos seus filhos fonte dos seus ganhos para o sustento deles próprios e assim transmite essa pseudo-vocação a seus dependentes, bem como gera novos miseráveis quando os filhos já atingem a idade de faturarem sozinhos. É inquestionável que o ato de mendigar deixou de ser uma falta de opção para seu uma opção para muitos que não desejam acordar às 5 horas e dormir às 21 horas em troca de um subemprego que lhe paga um salário mínimo, se muito.
Como em toda a profissão há os bem e os mal sucedidos, isso mesmo, é possível ser bem sucedido nessa atividade; não que ser bem sucedido seja enriquecer, mas tirar dela ganhos superiores a do cidadão comum. É claramente possível ganhos acima de R$ 1.000,00 mensais aos pedintes mais inteligentes/espertos. Mães e filhos colocam-se a porta de agências de Bancos e de Igrejas, e similares; locais onde a discrepância social machuca mais o cidadão comum, normalmente indiferente a situação dos excluídos. É a aplicação das táticas naturais de marketing em favor de quem vive da miséria, e quem pensa com a cabeça do cliente (ou provedor), sempre sai ganhando. O tempo passa e os filhos crescem: sendo mulheres a atividade continua (agora ela e seus filhos), sendo homem a atividade se interrompe, pois há um viés machista na visão da sociedade provedora que impede eles de obterem êxito no ato de mendigar. Homens saudáveis, na opinião do povo, não possuem justificativas para serem pedintes, e como eles nunca trabalharam e nem nunca estudaram, provavelmente trocarão as atividades da mendicância pela criminosa.
O pior de tudo, é que o ganho dessa atividade quase nunca resulta melhoria das famílias que praticam o exercício de pedir, envolvidos constantemente em vícios de álcool e drogas, o trabalho torna-se meio de sustentação para o consumo destas, já que traficantes e comerciantes não doam seus “produtos” aos que necessitam e pedem.
E assim gerações e mais gerações de marginalizados ficam sem a proteção do Estado: pedindo, roubando, matando e morrendo, enquanto os Poderes constituídos ficam preocupados com a repressão e alimentando indiretamente os futuros criminosos por falta de prevenção.
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